Costuma-se dizer que a hidrocefalia não tem cura, e de fato, para alguns tipos não existe. Aqui considere o termo “cura” na real expressão da palavra, como algo passível de corrigir a causa que gerou o problema (hidrocefalia). Entretanto, eu digo que a HIDROCEFALIA TEM TRATAMENTO.
Inicialmente vale lembrar que nosso cérebro possui cavidades no seu interior: os ventrículos cerebrais. É lá que se localiza o plexo coroide, responsável pela produção do líquido que circula e protege todo nosso sistema nervoso, conhecido como líquido cefalorraquidiano (LCR) ou líquor. O LCR é absorvido pela corrente sanguínea e é renovado completamente 2-3 vezes/dia.
A hidrocefalia, que pode afetar pessoas de qualquer idade, é caracterizada pelo acúmulo do LCR no interior dos ventrículos cerebrais. Estes se dilatam e, caso a hidrocefalia não seja tratada, provocam danos nas estruturas encefálicas.
Para entender como é o tratamento da hidrocefalia, é fundamental mencionar que ela pode acontecer por 2 razões:
Assim temos as hidrocefalias comunicantes (quando não há obstrução a passagem do LCR) e as hidrocefalias obstrutivas (quando por alguma razão há um impedimento mecânico ao fluxo liquórico normal).
O tratamento pode ser de várias formas e será baseado na causa e no tipo de hidrocefalia.
Quando a causa for obstrutiva, seja por um tumor/cisto ou uma neuro-infecção, a simples remoção desta causa poderá resolver a hidrocefalia. Algumas situações específicas podemos usar medicações que reduzem a produção de LCR, porém de forma temporária devido seus efeitos colaterais.
Contudo, na maioria dos casos o tratamento definitivo da hidrocefalia necessitará de uma intervenção cirúrgica.
A cirurgia para tratamento da hidrocefalia poderá ser realizada de duas formas:
Esta é a técnica mais utilizada, podendo ser utilizada na maioria dos tipos de hidrocefalia.
Ela consiste na colocação de fino cateter tubular no interior do ventrículo que será conectado a uma Válvula. Esta será responsável por regular o fluxo de drenagem do LCR, evitando hiperdrenagem ou drenagem insuficiente do LCR.
Da válvula parte outro cateter que será colocado em alguma cavidade do corpo, de forma que o LCR em conseguirá ser reabsorvido fora do crânio.
Quando falamos em DVP (derivação ventrículo-peritoneal), este cateter final será colocado na cavidade abdominal. Assim, o LCR será reabsorvido pelo peritônio (membrana que reveste toda cavidade abdominal) e devolvido à circulação sanguínea.
Há situações em que não podemos utilizar a cavidade abdominal para implante do cateter final, então usamos outros sítios: coração (derivação ventrículo-atrial); cavidade pleural no tórax (derivação ventrículo-pleural).
Em casos de emergência, onde precisamos drenar LCR de forma rápida e temporária, introduzimos um cateter no ventrículo que irá drenar para o meio externo numa bolsa coletora fechada, conhecida como DVE (Derivação Ventricular Externa). Porém deve ser transitória, pois há grande risco de infecção pelo sistema externo.
É uma cirurgia rápida (em média 1h), feita sob anestesia geral e de rápida recuperação.
É realizado 2-3 pequenas incisões por onde todo o sistema é implantado, ficando totalmente escondido por baixo da pele. Em geral, o cateter intracraniano é introduzido pela região parietal, atrás da orelha, e o cateter abdominal na região abaixo das costelas.
O paciente permanece internado por 24-48h para receber antibiótico endovenoso profilático, na maioria dos casos sem necessidade de UTI.
Uma alternativa para alguns tipos de hidrocefalia é a realização da neuroendoscopia.
É uma técnica minimamente invasiva feita através do neuroendoscópio. Este consiste numa cânula metálica e fina, com potente iluminação, onde são introduzidos instrumentos para realizar perfurações em membranas encefálicas.
Desta forma, fica fácil de entender que este procedimento é bastante útil nas hidrocefalias obstrutivas, pois é possível criar vias alternativas para o LCR circular. Tem a grande vantagem de não necessitar o implante de cateteres ou válvula e menor risco de infecção.
Também é realizada sob anestesia geral, com pequeno tempo de duração e rápida recuperação.
O cirurgião realiza um pequena incisão e orifício na região alta do crânio (escondida atrás do cabelo). O ventrículo é alcançado e navegado pelo endoscópio. Também podem ser introduzidos por dentro do neuroendoscópio instrumentos que irão confeccionar os orifícios e comunicações do sistema ventricular.
Em alguns casos de hidrocefalia extrema, é possível realizarmos uma neuroendoscopia para coagular o plexo coroide, diminuindo a produção de LCR.
As funções neurológicas serão avaliadas periodicamente após a cirurgia e o tratamento de reabilitação sempre é indicado. Entretanto a recuperação pode ser limitada a depender da área lesionada ou pela causa de base que levou a hidrocefalia.
As principais complicações da DVP são a obstrução ou infecção do sistema. Exames complementares periódicos (ressonância magnética, tomografia computadorizada e raio X do trajeto da DVP) podem ser necessários para avaliar o correto funcionamento da DVP. Entretanto, o sistema implantado pode permanecer para o resto da vida sem necessidade de troca.
O prognóstico vai depender da causa da hidrocefalia, da magnitude dos déficits neurológicos instalados e o tempo que a pessoa permaneceu sem o tratamento adequado.
Após a cirurgia alguns pacientes apresentam melhora rápida de alguns sintomas, como nos casos de dor de cabeça quando há hipertensão intracraniana pela hidrocefalia. Outros apresentam melhora significativa do quadro demencial, como nos casos de Hidrocefalia de Pressão Normal. Quando na criança em formação, o tratamento da hidrocefalia possibilitará o cérebro a se desenvolver da forma mais adequada.
Responsável Técnico:
Dr. Djalma Felipe da Silva Menéndez
Neurocirurgião pela Universidade de São Paulo (USP)
Cofundador do Instituto Funcionalitá de Neurologia e Neurocirurgia
CRM-SP: 141.313, RQE 84168